O jeito nova geração
Nascidos numa época em que a tecnologia já fazia parte do dia a dia, os professores que agora chegam às salas de aula procuram novos modos de ensinar e quando encontram dificuldades seguem um comportamento comum: trocam de escola, sem hesitar
Luciana
Alvarez
"A escola tem mudado. Claro que as instituições têm certa permanência - não só a escola, mas a Justiça, a Igreja, etc. Mas esse discurso muito em voga de que a escola não evolui vem desde a década de 20 do século passado e é falso", afirma Paulo Gileno Cysneiros, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que nas últimas três décadas tem se dedicado ao ensino e pesquisa em tecnologias da informação e comunicação na educação.
Para
Paulo, o uso das tecnologias tem o potencial de modificar os modos de pensar, de
ensinar e de aprender, e até mesmo de ver o mundo. Mas a verdadeira mudança que
vem ocorrendo deve-se sobretudo à capacidade criativa do professor. Ou seja, não
é a tecnologia em si que está trazendo as inovações para a sala de aula, mas os
jovens professores que entendem como natural o fato de que o conhecimento está
disperso, pulverizado no mundo, nas redes sociais, na internet. E assumem sem
problemas o papel de guiar e estimular os alunos a encontrarem por eles mesmos o
que desejam.
Antropologia urbana
Luís
Fernando Massagardi, 31, é de um desses professores que ajudam os alunos a
navegar pelo mundo. Mas no caso dele, é pelo mundo real mesmo: ele orienta
estudantes do ensino médio a fazerem pesquisas de campo.
Há
cinco anos atuando como professor, ele criou uma nova disciplina, que ministra
para os alunos do 2º ano do ensino fundamental no colégio particular Ofélia
Fonseca, em São Paulo (SP). Chama-se antropologia urbana. "A proposta é fazer
uma discussão sobre os grupos sociais da cidade e como eles atuam no espaço
urbano", explica. Para "estudar", os alunos precisam deixar os muros da escola e
explorar espaços da cidade que pouco conhecem.
Luís
Fernando, que é formado em história, diz que a ideia de montar a disciplina tem
forte relação com sua experiência pessoal. "Comecei trabalhando em museus e com
viagens para estudos de meio. Por isso acredito em práticas educativas que
extrapolem a escola como um ambiente fechado, não só no plano de discutir o
mundo mas também de estar fisicamente fora", afirma.
O
professor conta que se sente muito próximo de seus alunos, mas acredita que não
seja pela idade, e sim pela sua metodologia. "O diálogo é um ponto fundamental
na minha prática. Então, estou sempre aberto para as trocas", diz. Por causa
dessas "trocas" que promove com seus estudantes, Luís Fernando se tornou um dos
idealizadores do Festival de Artes do colégio, aberto para a comunidade e
divulgado pelas redes sociais da internet pelos próprios
alunos.
Brincar de ensinar
Uma
mudança de comportamento entre os jovens que iniciaram suas carreiras
profissionais nos últimos anos é a busca de satisfação pessoal no trabalho. Para
eles, dever e prazer devem estar associados. Com os professores, a atitude não é
diferente. Em uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA/USP)
realizada há três anos com 200 jovens de São Paulo nascidos entre 1980 e 1993,
99% dos entrevistados disseram que só se mantêm envolvidos em atividades de que
gostam. Além disso, no levantamento feito por Ana Costa, Miriam Korn e Carlos
Honorato, 96% afirmaram que consideram que o objetivo do trabalho é a realização
pessoal. Para a pergunta "qual pessoa gostariam de ser?", a resposta
"equilibrado entre vida profissional e pessoal" alcançou o primeiro lugar,
seguida bem de perto por "fazer o que gosta e dá prazer".
O
magistério sempre foi uma opção que envolve boas doses de idealismo e paixão,
mas cresce a tendência entre os jovens de incluir no "gostar de ensinar" a ideia
de diversão propriamente dita. Brincadeiras, jogos, campeonatos cada vez mais
entram no rol de atividades propostas mesmo aos alunos do Fundamental 2 e ensino
médio.
Luana
Gabriela Marques, 31, inventa de tudo um pouco em suas aulas de português para
turmas do 6º ano ao 3º do ensino médio no Colégio Brasil Canadá, em São Paulo
(SP). "Faço desafios, campeonatos individuais, entre grupos, jogos de tabuleiro,
jogos em que eles formulam as perguntas uns para os outros. Gosto de trabalhar
com a criatividade do aluno. No fim do bimestre, dou uns pontinhos a mais na
média pelo desempenho nas brincadeiras. Também premio com bombons ou livros",
conta a professora.
Mas
tanta "recreação" no meio das aulas não significa que os alunos não levem os
estudos a sério. "Uso esses recursos em nome do aprendizado. Sou uma professora
exigente. E mesmo com esse perfil de brincar, fazer jogos, não tenho problemas
em conseguir silêncio, nem com falta de lição de casa", conta
Luana.
Montar
aulas sempre pensando na diversão dos alunos tem como "efeito colateral" fazer a
professora também se divertir - e muito. "Estou sempre criando exercícios novos.
Não consigo fazer uma aula que não tenha a ver comigo, que fique chata", conta.
Esse comportamento faz com que Luana se aproxime dos alunos e também aprenda com
eles - até sobre como se divertir. "Ouço algumas músicas, acompanho certas
séries de TV que eles me recomendaram", conta.
Alunos protagonistas
Carolina
Silveira Leite, 27, leciona para alunos de 4º ano na rede municipal de São Paulo
e faz questão de que eles tenham participação ativa nas aulas. Muito de sua
prática pedagógica vem como resultado de sua experiência como aluna. Carolina é
formada em letras e acaba de concluir sua segunda graduação, em pedagogia, pela
Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Ao estudar por EaD, ela
diz ter aprendido também a importância de o aluno estar motivado e ter um papel
ativo na construção do conhecimento. "Não adianta substituir a lousa por um
computador. O aluno precisa estar produzindo para se interessar",
afirma.
Atualmente,
os alunos de sua turma estão montando um blog para publicar as descobertas que
fizeram em um projeto sobre insetos.
Foram
os alunos que propuseram questões, pesquisaram na biblioteca e na internet, e
agora estão escrevendo textos e indicando links para compartilhar o que
aprenderam. "Ainda não conseguimos respostas para algumas das dúvidas. Estamos
estudando novas estratégias, como enviar perguntas a revistas especializadas",
diz Carolina.
Claro
que a capacidade de inovar ao trazer o aluno para participar da produção do
conhecimento não é uma questão meramente de faixa etária. Mas para um professor
com certo passado "tecnológico educacional" é mais fácil entender que na
sociedade atual a educação não se limita a escutar aulas expositivas, ler textos
escolares e realizar provas. "As tecnologias da internet permitem que o aluno
tenha outras opções, como, por exemplo, aprender o que queira, quando queira, no
lugar que queira, de uma maneira colaborativa", afirma Lucio França Teles,
professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília
(UnB).
Como
consequência, diz Lucio, a curiosidade dos alunos acaba aumentando o escopo do
currículo, assim como aconteceu com a turma da professora Carolina, pois eles
não ficam circunscritos ao que "deve" ser aprendido para serem aprovados. "O
acesso a colegas e a informações de várias fontes torna o processo de
aprendizagem mais dinâmico e motivante", acredita.
Apoio na formação
Essa
visão ampla e inovadora da educação vale não apenas na hora de ensinar os
alunos, mas também quando os próprios professores desejam se manter atualizados.
A professora Liliane Rodrigues, 28, da escola bilíngue Cidade Jardim Playpen,
São Paulo (SP), também é formada em letras e está fazendo sua segunda graduação,
em pedagogia. Mas além de usar as fontes acadêmicas e formais para se aprimorar,
ela está constamente aprendendo em espaços informais, como na leitura de blogs
de outras professoras.
Embora
essa prática não lhe renda nenhum diploma, nascem dela dezenas de ideias e
práticas que melhoram seu trabalho docente. "Uma vez li em um blog de uma
professora americana sobre um curso on-line de alfabetização multissensorial.
Fiquei interessada e conversei com a coordenadora. A escola acabou pagando para
eu fazer o curso", conta ela, para quem o apoio da coordenação para crescer
profissionalmente é fundamental. "Hoje mudei minha forma de dar aula, aplico
muito do que aprendi. Eles investiram em mim, confiaram",
comemora.
Empreendedorismo
pedagógico
Para
Carlos Seabra, consultor de projetos de tecnologia educacional, a prioridade das
instituições de ensino deve realmente ser a formação continuada de seus
professores. "Entre inúmeros outros fatores, os gestores e coordenadores podem
facilitar condições para o que chamo de "empreendedorismo pedagógico" dos
professores, ou seja, incentivo à pesquisa e à criatividade, com estímulos e
apoios concretos a essas iniciativas", afirma.
Mesmo
que seja difícil conseguir verba para formação, especialmente para cursos não
oficiais, é possível criar condições para o empreendedorismo pedagógico, já que
não se trata simplesmente de dispor de recursos financeiros, mas de estar aberto
às iniciativas sugeridas. "O professor inovador, aquele que tenta novos formatos
pedagógicos com suporte da tecnologia da comunicação e aprendizagem, tende a
buscar instituições educacionais que deem suporte às suas ideias e práticas",
afirma Lucio Teles, da UnB.
Confiar
no potencial do professor e dar uma carta branca a ele foi o que fez a escola
estadual Olinda Conceição Teixeira Bacha, de Campo Grande (MS), para o projeto
idealizado por Alexandre Gonçalves Souza, 28 anos. Por seu perfil, era possível
perceber que Alexandre era alguém que gostava de experimentar e aceitava
desafios. Sem nunca ter estudado informática formalmente - sempre aprendeu
"fuçando" - Alexandre tornou-se professor de tecnologia. Foi então que há três
anos ele recebeu da direção o desafio de fazer um projeto que melhorasse o
aprendizado em português e matemática daquela que era considerada "a pior turma"
do colégio, que fica na periferia da capital.
"Era
uma sala de 8º ano com os piores desempenhos nas avaliações internas. Eles não
se respeitavam e não respeitavam os professores, não tinham vontade de aprender.
Era um clima de guerra", lembra o professor. Com uma verba de R$ 20 por mês,
obtida com a venda de picolés na escola, Souza montou um agência de publicidade
experimental com os alunos. "Assim consegui envolver a professora de artes, de
que eles gostavam, e também de português, inglês (para ajudar nos textos) e
matemática (para fazer os orçamentos)."
O
primeiro trabalho da agência foi desenvolver uma campanha antibullying para a
direção da escola. "No começo eles não queriam fazer. Mas ver o resultado
espalhado pela escola, compartilhado no Facebook e na página da secretaria de
Educação os motivou", conta. Em apenas um semestre, a "turma problema" virou
"turma modelo". No ano seguinte, o projeto ganhou três prêmios: um da
Assembleia Legislativa do Estado, outro do Ministério da Educação e o prêmio
Professores Inovadores da Microsoft. "Os alunos foram apresentar a agência num
seminário estadual de tecnologia e foram aplaudidos por diretores,
coordenadores. Eles contaram que nunca imaginaram que isso pudesse acontecer",
relata o professor.
Fator desestabilizante
Mas
é claro que nem tudo são flores. Conhecida pelo seu individualismo, às vezes
essa geração encontra resistências e conflitos no ambiente escolar. Entre as
características da nova geração de professores está a busca por respostas e
mudanças rápidas. Quando isso não acontece, esses profissionais preferem
simplesmente ir embora e procurar outro lugar para dar aulas. Uma professora
entrevistada pela reportagem, que prefere não se identificar, conta que com dez
anos de magistério já tinha passado por oito escolas. "Existem escolas ainda
muito tradicionais. Hoje estou feliz porque encontrei uma em que a coordenação é
bem aberta", diz.
E
ela não é a única a trocar de empregador por não ficar satisfeita com as
relações com os superiores. Fábio Pauli conta que desistiu de certa escola por
não concordar com a abordagem do diretor. "Eu tinha um aluno com necessidades
especiais e sua orientação era clara e não estava aberta a discussão: o aluno
não fazia provas e tirava sempre 7.
Mas
como ele iria evoluir assim?", questiona. Felizmente, Pauli conseguiu encontrar
uma escola em que a visão da direção estivesse de acordo com a
sua.
O
professor Leandro de Lima, egresso de escolas públicas, conta que chegou a dar
aulas em três escolas da rede pública, mas hoje prefere trabalhar diretamente
apenas com estudantes de escolas particulares. "Nosso trabalho era resolver
problemas da vida dos alunos, com a família, com drogas, problemas de
depredação. Nas reuniões com os coordenadores, não tínhamos tempo para discutir
práticas pedagógicas", reclama.
Para
Lucio Teles, da UnB, é normal que a nova geração cause um certo nível de
"conflito de gerações" dentro das escolas. "Um professor inovador que cultiva
relações mais horizontais e menos autoritárias pode causar um certo temor junto
àqueles professores que se posicionam de maneira mais tradicional. A inovação
pedagógica na escola é sempre um fator desestabilizante, pois a maioria dos
professores infelizmente ainda se apega à noção tradicional de 'transferência de
conhecimentos'."
Além
do imediatismo, as tendências ao individualismo e uma dose de arrogância entre
os mais novos podem provocar atritos dentro das instituições de ensino. O
professor da UFPE Paulo Cysneiros lembra, por exemplo, que mesmo um professor
que entenda tudo de tecnologia precisa estar aberto para aprender. "Uma coisa é
usar a tecnologia no cotidiano, outra é saber usá-la de forma proveitosa na
educação. Para isso, primeiro ele vai ter de estudar, ter orientação de seus
coordenadores", afirma.
Diretor
da escola paulistana São Domingos, Silvio Barini Pinto afirma que na hora de
contratar professores, jovens ou não, tenta sempre identificar a capacidade de
cooperar e a disposição para aprender com os mais experientes. "Parte dos
desafios da educação atual é articular o conhecimento de maneira sistêmica.
Professores individualistas não combinam com essa necessidade",
avalia.
Por
procurar claramente profissionais que gostem de trabalhar em grupo, Silvio
garante que nunca teve problemas com os mais jovens. "Algumas vezes já tive
candidatos que depois de ouvirem a proposta de educação da escola se disseram
não dispostos a trabalhar dessa forma. Por estatística ou por acaso, eram
jovens."
Naturalidade
tecnológica
Qualquer
pessoa que convive desde a infância com diferentes formas de tecnologia tende a
desenvolver relações mais naturais com ela, seja na vida pessoal ou
profissional. Com o professor não poderia ser diferente. Afinal, a tecnologia é
intrínseca à atualidade, e essa geração não costuma considerar que os recursos
tecnológicos sejam por si necessariamente positivos ou negativos. Isso não quer
dizer que, em sala de aula, a tecnologia deva ser usada de forma acrítica: tudo
depende de como usá-las.
"Um
professor que é mais conectado tem um potencial para lecionar aulas mais
atrativas. Mas pode também ocorrer o contrário: um professor que é mais
conectado pode passar a usar a conectividade de uma forma repetitiva, assumindo
que a tecnologia poderá cumprir um papel instrucional", defende Teles. Portanto,
a tecnologia deve ser abordada de maneira crítica.
Mesmo
os celulares, normalmente tidos como os grandes vilões da dispersão e banidos da
maioria das salas de aula, são vistos com mais equilíbrio pelos jovens
professores como Leandro de Lima, 26 anos, que leciona química no colégio Albert
Sabin, em São Paulo (SP). "Todo mundo nas minhas salas tem um celular com acesso
à internet. O que precisamos é pensar esses usos em vez de bater de frente e
proibir", afirma o professor que, de certa maneira, é multitarefas. Além de dar
aula para turmas regulares, prepara alunos da escola para as olimpíadas de
química, participa de um projeto social no qual capacita professores da rede
pública para usar tecnologia e ainda atua como consultor de uma editora de
livros didáticos.
Para
ele, os aparelhos celulares podem proporcionar situações de aprendizado. "Eu
falo para os alunos: dentro de sala vai tuitar o quê? Que está na aula de
química? Isso é chato, ninguém quer saber. Mas, do lado construtivo, tem aluno
que entra no Google para esclarecer uma dúvida, outro que tem um simulador de
experiências instalado. E eles todos usam o celular para marcar compromissos,
provas, trabalhos; isso funciona muito bem", conta.
Tudo ao mesmo tempo
Para
Paulo Gileno Cysneiros, professor da Universidade Federal de Pernambuco, a visão
crítica do uso desses recursos na educação é positiva. "Por não terem, de certo
modo, uma história, as novas tecnologias provocam de forma geral um efeito
emocional receptivo. Em outras vezes elas provocam medo. Por isso mesmo é
preciso olhar com cuidado. O professor deve sempre experimentar e adaptar a
máquina à sua realidade."
Há
ainda certas habilidades "naturais" para a nova geração de profissionais que
caem como uma luva para o perfil desejável de professores. Uma delas, sem
dúvida, é a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. "Quando se
trabalha com educação infantil numa turma que pode chegar a 20 crianças é
preciso ser multitarefa", afirma Daniele Gazzotti, da escola Stance Dual, São
Pauo (SP).
"Enquanto
você está contando uma história tem sempre alguém pedindo para ir ao banheiro,
outro que resolve cutucar o amigo e alguns prestando atenção. E a gente tem de
dar conta de atender a todos."
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